sexta-feira, 6 de março de 2009

GRAU É FLEXÃO?


Olá, senhores!

Quem nunca ouviu aquela expressão "concordo com você em GÊNERO, NÚMERO e GRAU!".

Poisé, essa frase surgiu provavelmente das Gramáticas Tradicionais, em que se verifica que a flexão se dá nessas três categorias. Exemplo: quando estudamos a classe do ADJETIVO, as GTs trazem seu estudo dividido em TEORIA (o conceito de Adjetivo), TIPOS DE ADJETIVO (uniforme, biforme, simples e composto) e VARIAÇÕES DO ADJETIVO (isto é, flexão em Gênero, Número e Grau).

Não vamos muito longe.

Em Nossa Gramática Teoria e Prática, de Luiz Antonio SACONNI, encontramos:
"O adjetivo pode variar em gênero, em número e em grau" PÁGINA 143.

Porém, é mesmo GRAU um processo de FLEXÃO?

Primeiro, quando estudamos MORFOLOGIA, sabemos que existem palavras variáveis e invariáveis. Isto é, palavras que se flexionam em gênero e número, outras não. Logo, GRAU fica de fora. Percebeu? Lembra-se de DESINÊNCIA?
Exemplo: GAT + A + S => o A é a marca de gênero, portanto desinência nominal de gênero, e o S é a marca de plural, portanto desinência nominal de número. A GT não traz "desinência nominal de GRAU".

Vamos expor uma frase e, em seguida, atentar para alguns detalhes.

frase 1: Garota ESPERTA.

Por que no lugar da palavra ESPERTA não poderia ser ESPERTO? Simplesmente porque a palavra "Garota" é palavra feminina singular, então a palavra seguinte, o adjetivo, tem de concordar em gênero e número com ela.

frase1: Garota esperta. (OK)
frase 2: Garota esperto (?)
frase 3: Garota espertos (?)
frase 4: Garota espertas (?)

A única aceitável desse rol é a frase 1, sem dúvida. Isso porque está havendo aí um processo natural de concordância.

Se "garota" estivesse no plural, automaticamente o adjetivo iria concordar com ela em outra categoria: a de número.

Exemplo: GarotaS espertaS.

"ESPERTAS" está no FEMININO PLURAL, porque "GAROTAS" se encontra nessa circunstância. Então, em ESPERTAS temos uma palavra FLEXIONADA em gênero e número, visto que GAROTAS também apresenta essa FLEXÃO.

Mas se colocássemos a palavra no grau diminutivo

GarotINHA

o adjetivo "esperto" também teria que aparecer "flexionado" em grau?

Não.

Garotinha espertíssima.

Ou seja, as duas palavras têm a marca de grau. Porém, é OBRIGATÓRIO colocarmos o -ÍSSIMA em "esperto"? Não. O -A, sim, porque é a marca de GÊNERO. Então tanto faz

Garotinha ESPERTA ou ESPERTÍSSIMA ou simplesmente Garota ESPERTÍSSIMA.

Conclusão: GRAU NÃO é flexão, porque não é um processo OBRIGATÓRIO.

"A superlativação do adjetivo não obedece a qualquer vínculo de concordância com o substantivo. Ou seja, o grau acontece para o adjetivo sem que necessariamente ocorra para o substantivo. Em

Rapaz ESTUDIOSÍSSIMO, o substantivo se mantém sem marcação de grau. O aumentativo ou diminutivo também não determina qualquer processo de concordância. A não ser assim, em vez de criancinha linda, teríamos que dizer criancinha lindinha". (MOTEIRO, 66).

"A expressão do grau não é um processo gramatical em português, porque não é um mecanismo obrigatório e coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos em si". Mattoso Câmara Jr. (1971:50).

A flexão é sistemática, isto é, atinge de maneira geral todo e qualquer vocábulo.

O que acontece com GRAU, na verdade, é DERIVAÇÃO e não FLEXÃO.

"A derivação, ao contrário, é assistemática. Se de NEGRO se deriva NEGRUME, não se deve concluir que de VERDE deva necessariamente derivar-se VERDUME. Não é possível qualquer previsão. Ao verbo ALEGRAR, de ALEGRE, contrapõe-se ENTRISTECER, de TRISTE, não porém TRISTAR, que seria o normal, se a pauta derivacional fosse tão regular como a pauta flexional; entretanto, não existe o verbo TRISTAR. É que "uma derivação pode aparecer para um dado vocábulo e faltar para um vocábulo congênere" (Mattoso Câmara Jr). A ocorrência da forma derivada é de certo modo fortuito e casual: há, mas seria possível deixar de haver; ou não há hoje, mas é possível que haja amanhã.

Tratando-se de flexão, a coisa é diferente: houve, há e haverá obrigatoriamente.

A derivação é optativa, DERIVATIO VOLUNTARIA, no dizer de VARRÃO, porque depende da vontade do falante. Se quisermos, nunca empregaremos o sufixo -ÍSSIMO, diremos, por exemplo, É MUITO LINDO em lugar de É LINDÍSSIMO; nem o substantivo LINDEZA: É UMA COISA LINDA substitui perfeitamente É UMA LINDEZA. O singular ou o plural, o masculino ou feminino, estes não podem ser evitados. É impossível empregar um nome sem a marca do gênero e do número.

A flexão é obrigatória, DERIVATIO NATURALIS, no dizer de VARRÃO, por ser imposta pela natureza da língua. Não podemos utilizar um substantivo português sem obrigatoriamente usá-lo sob certa forma numérica: o número acompanha infalivelmente qualquer substantivo português.
Em chinês é diferente, e o substantivo pode ser usado sem estar ajoujado à idéia de número. É que normalmente o substantivo português se apresenta com dupla forma, ou em parelha, de tal modo que, dada uma, se pode facilmente encontrar a outra: LIVRO - LIVROS - CASA - CASAS, ou vice-versa. É um paralelismo rígido que molda toda a categoria nominal do português.

Por ser optativa, a derivação abre perspectativa estilística; por ser obrigatória, nada tem a flexão com o estilo". (JOSÉ REBOUÇAS MACAMBIRA, 1974).

GRAU é um mecanismo de DERIVAÇÃO, não de FLEXÃO. Então, em se tratanto de palavras variáveis, temos, portanto, aquelas que variam em GÊNERO e NÚMERO, somente.

Por enquanto, só.

Abraços!

Hugo Magalhães.

6 comentários:

  1. Muito bom... só nao concordo em uma coisa... cadê a bibliografia? De resto está muito bom...

    ResponderExcluir
  2. Muito bom, super didática a explicação!

    ResponderExcluir
  3. A expressão 'concordo em gênero, número e grau' está errada, porque só é obrigatória a concordância de gênero e número, o grau não precisa concordar, pode até discordar. É suficiente 'concordo em gênero e número'.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O uso do superlativo, do diminutivo e do aumentativo não se deve a uma obrigatoriedade, mas a uma opção. São obtidos através de sufixos, e não de desinências.

      Excluir